domingo, 10 de janeiro de 2010

SÃO LUIZ DO PARAITINGA: o alento das bodas...

Acaba de chegar crônica sobre São Luiz do Paraitinga do Professor e Historiador José Carlos Sebe Bom Meilhy que nos autorizou a publicá-la.





SÃO LUIZ DO PARAITINGUA: o alento das bodas...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Quando ocorreram as chuvas que naufragaram parte da cidade de São Luiz do Paraitinga no princípio do ano, eu estava em casa no Rio. As notícias derivadas dos veículos de comunicação cariocas privilegiavam os desastres de Angra dos Reis e Ilha Grande e pouco se falava de outras áreas. Além das dimensões do desastre fluminense, o número de mortos justificava essa atenção e zelo noticioso. Foi devagar que me interei dos eventos da gentil São Luiz. Primeiro alguns e-mails de amigos, depois imagens e por fim notícias avaliando as consequências. Aos poucos, fui me inundando com a soma interminável de detalhes, todos muito tristes. Na medida em que a destruição daquele patrimônio histórico ia substituindo os fatos do estado do Rio, dentro de mim alguma coisa também ruía, mas cuidei de preservar o patrimônio de recordações pessoais.

Dor e sentimento de impotência avassalaram meu coração e tive que reagir do jeito que melhor sei. Foi assim que dei conta do significado daquela cidade em minha vida. Além de passagens em idas e voltas à Ubatuba – o velho ônibus então entrava na cidade e lá fazia uma parada deliciosa onde se comia pão com lingüiça – lembrei-me de visitas em companhia de meu pai, ainda mascate. Nessas recordações repovoei minha saudade com pessoas e lugares tão caros em minha memória e me vi comovido.

A forma mais eficaz que encontrei para superar o luto interior foi ler. Além do clássico texto do professor Pasquale Petrone, de 1959, intitulado "A Região de São Luiz do Paraitinga" e publicado na Revista Brasileira de Geografia, reli o texto assinado por Luis Saia e Jaelson Bitran também nomeado "São Luiz do Paraitinga", de 1977, publicado pelo Condephaat. Busquei a dissertação do geógrafo Carlos Murilo Prado Santos, de 2006, "O reencantamento das cidades: tempo e espaço na memória do patrimônio cultural de São Luiz do Paraitinga", defendida na UNICAMP, mas sobretudo, fiz outra viagem nas linhas do mestrado de João Rafael Cursino dos Santos, sob o nome de "A Festa do Divino de São Luiz do Paraitinga: o desafio da cultura popular na contemporaneidade", de 2008, do qual tive o privilégio de ser analista. A soma destas leituras aliviou o peso das notícias desalentadoras.

Curiosamente, a par de tanto abatimento multiplicado em fotos, arrolamento de danos materiais e, sobretudo históricos, uma notícia me saltou aos olhos: um casamento. Sim no meio do caos uma viúva e um viúvo se juntaram. O texto publicado à página 7, em box, n'O Globo do dia 7 de janeiro deste ano, de autoria de Flávio Freire, conta que Ambrósio Maciel, de 63 anos, resistia morar com Aparecida Taveres Gouvêa de 55 anos, como ele também viúva. Namoravam, mas resistiam às segunda núpcias. Ele tinha sua casa perto da dela, duas ruas abaixo. Aconteceu que Ambrósio teve seus pertences arruinados e apenas lhe sobrou "algumas panelas, dois cobertores, um par de sapatos e a roupa do corpo". O resto tudo, tudo, se perdeu: a nova TV de plasma, recém comprada, os sacos de cimento destinados a um "puxadinho" e até as fotos dos onze irmãos que estavam no álbum de família. Resultado, ele foi morar com ela para viver felizes para sempre.

Confesso que esta história me enterneceu e ao mesmo tempo fez abrir um céu de probabilidades e alentos. Que historinha linda, pensei. Um casal, na altura do que se convenciona chamar terceira idade ainda dispostos a refazer suas vidas. Mais: como a tragédia coletiva ajudou a decisão do Romeu intimidado face à nova situação amorosa. Achei que este caso era emblemático das possibilidades de reordenamento das coisas. E valeu como metáfora da esperança. A cidade velha também teria nova chance e o casamento da força da tradição com a energia dos moradores faria com que tudo fosse mais do que uma revivescência do passado, uma nova construção, história inédita. Penso na maturidade do novo casamento e na circunstância da união. Penso também na responsabilidade desafiada pela memória dos moradores de São Luiz e, sobretudo no desafio de continuar. Quero muito saber o que acontecerá com Ambrósio e Aparecida. Sim quero saber deles, pois de São Luiz terei notícias alvissareiras. Com certeza.

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